segunda-feira, novembro 25, 2013

A MORTE DE HAL 9000


Há muitas imagens fortes que a memória deste filme inscreve, do bailado das naves com a música de Strauss ao primeiro primata que descobre um instrumento e o atira na direcção das estrelas. A mim, o que mais me impressionou desde a primeira das muitas vezes que vi “2001: Odisseia no Espaço” foi sempre a morte de HAL 9000, o computador, que é o único personagem do filme digno desse nome, porque capaz de ameaça, vontade e medo na apocalíptica cena em que lhe desligam os neurónios electrónicos – ele vai senilizando e desaparecendo devagar e nós descobrimos que a alma é vermelha.


É o momento chave do mais longo dos quatro andamentos deste filme genial. No primeiro, assistimos ao alvorecer da Humanidade, quando um grupo de símios encontra um monolito negro e ganha o conhecimento; no segundo, na Lua, exploradores encontram outro monolito, cujos mistérios justificam a terceira parte, a viagem até aos confins do Sistema Solar; a última fracção é a mais célebre, quando, já sem controlo sobre o caminho, o único sobrevivente se defronta com uma trip de cores e formas inexplicadas, o tempo, a vida, o conhecimento e a morte, até à imagem terminal de um feto diante do Cosmos, inextrincável arcano.


Nenhum de nós percebeu em 1968, ou percebe hoje, o último significado deste filme – e isso é parte do seu fascínio perene, justificado também porque, do ponto de vista imagético e sonoro, “2001: Odisseia no Espaço” é uma experiência inesquecível, sobretudo num muito grande ecrã, como aqueles onde agora está. Pense-se só que todos os incríveis efeitos especiais não tinham qualquer recurso digital, eram todos “feitos à mão” ou pouco mais – e não envelheceram absolutamente nada. Durou anos a congeminação do filme e a sua produção, numa época em que a ficção científica não era suposto interessar a um cineasta sério. Kubrick não era então o mito em que depois se tornou, o mito em que precisamente “2001: Odisseia no Espaço” o tornou, pelo sopro com que nos fez interrogar tudo e, ao mesmo tempo, nos deslumbrou.

(Jorge Leitão Ramos in revista Atual do semanário Expresso, 23/11/2013)


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