terça-feira, novembro 26, 2013

HERANÇA DO KING SERÁ PARTILHADA POR OUTRAS SALAS DE LISBOA


As portas do Cinema King, em Lisboa, estão fechadas. No site oficial ainda não consta essa informação, mas as últimas imagens foram projectadas no domingo, com a exibição dos filmes em cartaz. Foram 340 as pessoas que marcaram presença, mas o produtor e exibidor Paulo Branco não foi uma delas. «Não gosto de funerais», justificou ontem, numa conferência de imprensa, em que garantiu que vai continuar a oferecer cinema independente nas outras salas de que a sua empresa dispõe. Os restantes espaços da Medeia em Lisboa – Monumental, Nimas e Fonte Nova – vão ser redimensionados e terão horários alargados. Simultaneamente, os debates e ciclos temáticos que Paulo Branco promove no Lisbon & Estoril Film Festival poderão ser aqui replicados. Além disso, os equipamentos do King serão reaproveitados nessas outras salas (onde os sete funcionários foram recolocados) e em exibições itinerantes na província.


Paulo Branco explorava o Cinema King desde 1990, quando havia "dois espectadores por sala" e não havia abertura para filmes de Pedro Almodóvar ou David Cronenberg. «Até o Woody Allen era olhado de lado», lembrou o exibidor, que 23 anos depois se viu obrigado a fechar portas devido ao «aumento exponencial de renda» de cerca de 4 mil para 12 mil euros, depois de uma reavaliação do edifício para 2,2 milhões de euros. «Era incomportável», realçou, explicando que foram em vão os apelos que fez à Câmara de Lisboa e à Secretaria de Estado da Cultura. «A indiferença relativamente a estes temas é cada vez maior. E acho que havia a ideia de que eu me haveria de desenrascar», disse alertando que «muitos espaços culturais estão a fechar devido a situações destas». «O poder político deveria criar regras especiais para a avaliação dos espaços culturais, para que estes possam continuar a existir», defendeu Paulo Branco no encerramento de mais uma sala, depois de em 2011 ter fechado as do Saldanha Residence.


«Fechei salas, abri salas, enterrei salas, infelizmente enterrei realizadores, divorciei-me de outros. Enquanto tiver pelo menos cabeça e energia vou continuar», garantiu, referindo as “ligações de vida” que retirou do trabalho com realizadores como Manoel de Oliveira, Raoul Ruiz ou João César Monteiro. Nos tempos áureos, o King chegou a ter 150 mil espectadores por ano, mas ultimamente a audiência era cada vez menor: 60 mil em 2012 e 40 mil em 2013, segundo dados de Paulo Branco. As razões são muitas e o produtor fez questão de realça-las, a começar pela fraca cultura de cinema que existe em Portugal. «Ir ao cinema é uma experiência e essa experiência tem de ser cultivada. É uma questão de educação. Conhecimento e cultura são enriquecimento», sublinhou, lamentando a falta de interesse dos jovens, dos políticos, da comunicação social em geral e da televisão pública em particular. A isso, junta-se a facilidade com que se tem acesso à imagem através da internet, o investimento obrigatório em equipamentos digitais e a multiplicação de salas em centros comerciais. Aspectos para os quais Paulo Branco alerta há mais de uma década. «Não consegui ser o contraponto a essa concentração», admitiu. Mas não se rende e fazer concorrência ao “cinema das pipocas” não está fora de questão.


Nos anos 1980, Paulo Branco lançou-se na exibição quando teve dificuldades em encontrar salas para exibir filmes como “Silvestre”, de João César Monteiro, ou “Francisca”, de Manoel de Oliveira. «O mercado era controlado por dois grupos, Lusomundo e Castello Lopes, e a maioria dos filmes era americana», lembra. Durante dois anos explorou uma sala do Fórum Picoas, onde exibia cinema de autor, mas em 1990 começou a explorar as salas do King. «Aqui comecei a minha carreira a sério de exibidor e distribuidor. Agora chamam-lhe uma sala mítica, não sei bem o que isso quer dizer. O King permitiu talvez a existência do cinema português. Sem ele a carreira de alguns realizadores teria sido diferente», diz.
 (Sofia Fonseca in Diário de Notícias, 26/11/2013)


Nota: Para saber mais sobre o passado do Cinema King (ex-Vox)
consultar o post sobre as salas de cinema de Lisboa

1 comentário:

Margarida Cardoso disse...

olá ,
Gostava de saber de quem era a foto do Paulo Branco de perfil, aqui publicada. Pode me dar uma dica ? muito obrigado
Margarida Cardoso