sábado, novembro 16, 2013

O TEATRO VARIETÁ, EM LOURENÇO MARQUES

O Teatro Varietá nos anos 20



Tinha 13 anos quando o Teatro Varietá foi demolido, nos princípios do ano de 1967. Mas ainda me lembro de lá ter ido algumas vezes, sobretudo aos domingos de manhã, quando havia as sessões para os mais novos. Vi espectáculos de vários géneros, do teatro à dança, mas no que ao cinema diz respeito, há um filme que de imediato associo àquela sala: o "Hatari!", de Howard Hawks, de 1962, que se estreou por lá dois ou três anos depois. O Teatro Varietá foi a primeira sala de espectáculos de Lourenço Marques, construída logo nos primórdios do século XX. Ficava na baixa, na Rua Major Araújo, artéria que ligava a Praça 7 de Março à Praça Mac-Mahon. O edifício situava-se no início do segundo quarteirão - para quem vinha da Praça 7 de Março - do lado esquerdo, frente à casa Zuid. Um pouco antes ficava a livraria da COOP.
 
Dois aspectos da Rua Araújo (1910 e 1929)




Segundo relata Alfredo Pereira de Lima no seu livro "Edifícios históricos de Lourenço Marques", publicado em 1966 e agora reeditado, o Teatro Varietá começou por ser, imagine-se, um ringue de patinagem: «A iniciativa ficou-se devendo a dois súbditos italianos, Pietro Buccellato, empreiteiro, e Ângelo Brussoni, comerciante, que requereram à Câmara Municipal a sua construção em 16 de Maio de 1910, para a prática de uma modalidade desportiva que se afigurava então pouco dispendiosa e da qual os dois italianos eram grandes entusiastas.
Com um estrado de 800 metros quadrados, de planta rectangular de 20X40 m, bar, salão de chá, etc., ao qual se acrescentou, depois, um pequeno palco, no interior do recinto, para música e concertos, foi o recinto aberto ao público em 16 de Julho de 1910. Esse ringue de patinagem, denominado desde logo de "Varietá", passou a registar enorme afluência de pessoas. Nesse mesmo ano realizou-se ali um grande campeonato de hóquei em patins, renhidamente disputado.» Algum tempo depois, o espaço foi modificado com a inclusão de um primeiro andar, com a intenção de lá se poderem realizar sessões cinematográficos. O início da construcção do novo piso veio interromper a práctica da patinagem, para desgosto dos jovens da época, grandes aficcionados daquela práctica desportiva.
 
Continuando a citar Pereira de Lima: «O teatro, em cuja construção Pietro Buccellato pôs todo o seu entusiasmo, mandando vir da Itália grande número de estatuetas e vários objectos decorativos, foi inaugurado na noite de 5 de Outubro de 1912, com a assistência do governador-geral. Numa tentativa arrojada, Pietro Buccellato contratou para a estreia do seu teatro da Rua Araújo uma companhia de ópera lírica italiana, cujas principais figuras eram a soprano Bianca Almazza e o tenor Franco Gregório. Para a récita de gala inaugural do teatro, foi escolhida a ópera "O Barbeiro de Sevilha", de Rossini, em três actos. Essa companhia deu o seu último espectáculo na noite de 31 de Dezembro de 1913.
O Teatro Varietá nos anos 60
Mais tarde, realizou no Teatro Varietá uma série de concertos o barítono Alberto Terrasi, que preencheu a temporada artística de 1914. Pelo Teatro Varietá passariam mais tarde as maiores figuras do Teatro Português, como Maria Matos e diversas companhias nacionais e estrangeiras do maior prestígio. Em 1915, Pietro Buccellato, para não deixar arrefecer o entusiasmo dos jovens pela modalidade desportiva que acalentara em Lourenço Marques, construiu na rectaguarda do seu teatro um novo ringue de patinagem onde os patinadores continuaram os seus renhidos desafios. Esse ringue acabou por ser ultrapassado pelo tempo e levar outro destino.»
A vida nocturna na Rua Araújo (anos 60)
Ao longo dos anos 20 e 30, o Teatro Varietá, para além do contributo fundamental que deu à vida cultural da cidade, foi palco de agitados comícios políticos. Depois, com o passar dos anos, o cinema tornar-se-ia no centro da programação, à medida que a Rua Araújo se ia enchendo de night-clubs, cabarets e dancings, com os seus néons a colorirem as noites mais turbulentas da cidade, onde porteiros diligentes eram a última fronteira para o convívio com as dançarinas e prostitutas. Os filmes a exibir chegavam em camiões, provenientes de Johannesburg, mas, tirando algumas excepções, a sua qualidade era cada vez mais duvidosa. Porém, a grande glória do Teatro Varietá na segunda metade da sua existência (a partir dos anos 40) foram as coristas e artistas de segunda ordem, que integravam as companhias manhosas que vinham em tournée às colónias, assentavam arraiais e abasteciam de amantes caras e luxuosas os homens ricos e poderosos, ou influentes da cidade.
O Teatro Varietá em 1967, pouco antes de ser demolido
O Teatro Varietá, com a sua curiosa arquitectura típica do início do século, foi-se tornando cada vez mais numa relíquia do passado, levando ao afastamento da sociedade cultural de Lourenço Marques, que o deixou de frequentar. A sua vida prolongou-se ainda pela década de sessenta, mas viria a ser demolido em 1967. Dois anos depois, em 16 de Abril de 1969, seria inaugurado no mesmo local (mas com acesso pela Travessa da Catembe, transversal à Rua Araújo que passava por detrás do edifício da Universidade) o Cinema Dicca, que mais tarde incorporaria outra sala de reduzidas dimensões, o Estúdio 222.

2 comentários:

renatocinema disse...

Como estudante de História só posso elogiar sua viagem pelo passado.

Abraços

Shailendra disse...

Gostei do seu post muito bem elaborado,não fazia ideia de que o Estúdio 222 foi construído posteriormente,é pena não haverem imagens dessa época.

Abraços